Colector de Corações


Parte 5


Com o seu objectivo definido Midsat abandonou o recanto da condessa. Abandonou o palácio acompanhado por uma aia que esperava por ele, substituindo a menina Delena e escoltado por Tarne abandonou o terreno dos Revelette.

O caminho de volta até aos arredores de Lazindur foi sem incidentes, para alem da fome que começava a apertar no estômago. O caminho até ao palácio tinha sido longo e a viagem de volta tinha-se mostrado igualmente extensiva, porque quando Midsat conseguiu avistar as muralhas da cidade a posição do sol já se afastara do meio dia. Mas ainda houve algo mais que o deteve.

Ao passar pelas casas da plebe a atenção de Midsat foi capturada por algo que acontecia à distancia: um grupo de seis homens intimidavam um família. Aquele que parecia ser o líder agarrava uma jovem rapariga pelos cabelos enquanto gritava para outros dois que pareciam ser os pais da rapariga. E ainda longe da percepção destes, escondidos por entre as casas, cercas e outros objectos, homens vestidos com as cores de Lazindur avançavam lentamente com espadas desembainhadas em direcção aos outros.

Vendo o que acontecia, Midsat abrandou o cavalo, esperou não ter sido visto e continuou a observar. Os homens da cidade quedaram-se nas esquinas e cantos observando a situação que se desenrolava enquanto que o líder dos bandidos continuava a sua berraria. A rapariga nas suas mãos chorava vigorosamente, enquanto que aqueles que aparentavam ser seus pais encontravam-se de joelhos, com os braços erguidos, clamando por clemência. E nesse instante, como se as suas preces fossem ouvidas, um momento fulcral das suas vidas desenrolou-se aos olhos de Midsat, quando o chefe dos bandidos lançou a rapariga aos seus pés. Nesse preciso instante, um dos soldados que observava a situação levou uma pequena flauta aos lábios e fez soar uma nota aguda. Com esse sinal, todos os soldados saltaram dos seus esconderijos e lançaram-se sobre os bandidos. A maioria nem tiveram tempo de desembainhar as suas armas ante o aço dos sues agressores. Apenas dois ofereceram resistência. Um deles tombou rapidamente mas o outro pegou na rapariga e usou-a como refém. Perante isto, Midsat atiçou o cavalo e lançou-se em direcção do evento. Com um movimento rápido e preciso, lançou a sua navalha contra o ladrão, que estando de costas nem se apercebeu da aproximação rápida de Midsat antes que fosse tarde demais, e com o grito de horror da refém ao ter a sua face salpicada com sangue, o corpo do seu agressor caiu sem vida com uma navalha cravada na garganta.

Todos suspiraram de alivio quando tudo acabou. Com os agressores tombados os pais correram a abraçar a sua filha. Os soldados sorriram e congratularam-se, limpando o sangue das suas armas. O mesmo homem que tinha ordenado o pequeno ataque distribuiu ordens aos seus soldados. Alguns dos seus homens começaram a carregar os cadáveres, enquanto que outros foram falar com a família e o seu líder dirigiu-se até Midsat. O sol batia-lhe na face e o seu aspecto pareceu mudar, os cabelos compridos castanhos pareceram avivar em tons cobre, os olhos escuros iluminaram-se num brilhante verde e a sua pele pareceu ganhar outro tom com os raios de sol. Ele estendeu a mão coberta no metal da armadura a Midsat.


- Isso foi um bom arremesso. Ao meu nome é Urv e de minha parte e de parte dos meus rapazes, agradecemos-te.

- O meu nome é Midsat. – Apresentou-se, de seguida desmontando do seu cavalo. – O que se passou aqui?

- O quê? Não sabes? É um grupo de bandidos que anda a causar distúrbios por estas zonas. Estes aqui estavam a ser extorquidos dos seus bens por “protecção”, como eles o diziam.

- Pelo que pareceu eles não estavam a exercer o seu poder da forma certa.


O Urv gargalhou, não num tom jocoso mas de facto agradado pela opinião de Midsat.


- Não. de facto aquela não era a forma certa de oferecer protecção. – Respondeu risonho. – Mas ai está o problema. O pagamento é para protecção contra eles próprios e mesmo se forem pagos, não se interessam minimamente pela segurança destas pessoas. Até acho estranho como ainda não houveram nenhuns saques.

- Não? Então o que era isto? – Interrogou Midsat observando o comportamento dos que o rodeavam.


Havia pessoas começando a juntar-se para ver o que tinha sucedido naquele local. Enquanto isso, alguns dos soldados de Urv tentavam dispersa-los.

Por uns Urv acompanhou-o a perscrutar o que os rodeava antes de lhe responder:


- Bem, seria uma explicação longa e chata. E não acredito que te encontres muito interessado em ouvir.

- Não é bem assim. Eu acabei de me meter em algo e gostaria de conhecer o território.

- Conhecer o território? – Urv gargalhou outra vez e depois deu um pequeno encontrão em Midsat. – Eu gosto de ti. Ora bem, fazemos assim, a tua intervenção agora ajudou-nos, portanto eu e os meus rapazes vamos pagar-te o almoço.

- Não. Não posso aceitar tal coisa por tão pouco feito.

- Tão pouco? Tu acertaste com uma navalha no pescoço daquele bandido. Ele caiu morto sem sequer pestanejar. Foi um golpe muito bom e até deves ter salvo a vida daquela rapariga. – Discursou Urv sem tirar os olhos dos de Midsat. Em seguida gritou para o seu grupo. – Rapazes, que dizem a pagarmos o almoço a este homem?


Houve várias respostas afirmativas e algumas zombarias em relação à proeza de arremesso de um membro do grupo. Foi assim que Midsat se viu jurado a acompanhar este grupo de soldados numa refeição.

Depois de enterrarem os mortos e ajudarem a família a recompor-se dirigiram-se para a zona norte de Lazindur, para uma taberna de nome “Barril do Lobo”.

O norte da cidade era o inverso do que tinha Midsat tinha sido apresentado no dia anterior. Ruas limpas, casas sólidas e bem estruturadas, as pessoas caminhavam nas ruas de queixo erguido, sem medos ou preocupações com sorrisos enfeitando-lhes as caras. No entanto a taberna não parecia ter tanto encanto quanto o “Dragão Vermelho”, claro que era um espaço convidativo e confortável, mas não tinha o fulgor e a energia que Slosa dava ao seu canto nesta cidade.

Os rapazes sentaram-se todos numa mesa comprida que já estava reservada para eles, pois eram clientes regulares do estabelecimento, e pediram mais uma cadeira para Midsat se juntar a eles. Eram um grupo bem humorado, que passava o seu tempo a contar piadas e historias, historias essas que passavam desde de relatos do seu tempo em serviço até historias mais levianas e exageradas das suas conquistas privadas. Eles eram um dos vários pequenos grupos de guardas que, liderados por Urv, tinham um certo nível de autonomia e trabalhavam separados do corpo centra da guarda de Lazindur. O tempo foi passado por entre comida, bebida e risadas até que um tema de conversa interessante surgiu à mesa. O tema era Leiva, a grande ladra que evadia a captura pelos guardas da cidade à meses sem conta. Quem puxava o assunto era um soldado de nome Tirve, era um rapaz novo mas muito inteligente e igualmente brincalhão.


- Mas a verdade é que aqui o nosso sargento está apaixonado pela Princesa dos Ladrões.

- Pára de exagerar, Tirve. – desculpou-se Urv por entre uma rizada. – Eu só disse que achava que a mulher tinha garra, nada mais.

- Claro! – Cortou outro soldado. – Isso também diz o Getlos de todas as mulheres com quem já dormiu.

- E nunca menti. – Afirmou esse tal Getlos, fazendo soltar uma gargalhada de todos os presentes.

- Mas não é nada mais que admiração pelo seu modo de agir. – Argumentou Urv. – Midsat, não sei se já ouviste falar da Leiva.

- Já vi os cartazes por ai espalhados. – Respondeu, omitindo o quanto mais conhecia a personagem em questão.

- Ora bem. Não sei se sabes mas a fama dessa Ladra e a honra de se encontrar nos mais procurados provem toda, ou a maioria, de um único trabalho que ela fez a um nobre. Segundo consta, um nobre da cidade cobiçava um objecto que outro rival possuía e contratou a Leiva para adquirir esse dito objecto. Até ai, Leiva já tinha alguma reputação e como as suas habilidades já eram respeitáveis o furto correu sem nenhuns problemas. Mas aqui foi onde o seu estatuto foi elevado. O nobre, não satisfeito apenas com obter o seu tesouro, decidiu que não iria pagar a Leiva e iria fazer o acto “honroso” de entregar aquela simples ladra às autoridades. Só que não contava com o engenho e os recursos da nossa pequena ladra que, não só escapou às autoridades que a iam prender, como dois dias depois, o líder da guarda de Lazindur e os magistrados receberam todos cartas contendo os vários podres do nobre. Depois disso, esse nobre acabou na prisão e nunca mais foi visto.


Houve um tenso silencio depois do sargento contar a historia. Midsat encontrava-se um tanto estupefacto, pois se a historia fosse real aquela rapariga tola que descaradamente lhe roubou o pequeno-almoço era na realidade uma adversaria de peso.

Após os poucos segundos de silencio Tirve fez-se ouvir outra vez com outro comentário trocista:


- Desculpe sargento, mas vê-se mesmo que é amor!


A partir desse instante tudo voltou à desordem inicial. Comeram, beberam e divertiram-se durante poucas horas até mentalizarem-se que teriam de voltar ao trabalho em breve. Todos abandonaram a estalagem mas apenas Urv se demorou a despedir de Midsat, pois havia um assunto que ainda não tinham tratado: os bandidos que andavam a molestar os arredores da cidade.


- Pois bem Midsat, tu querias saber o terreno que estás a pisar não é?

- Agradecia, não me sentiria à vontade a dar paços em falso.

- Nós não sabemos muito sobre os bandidos, mas posso dizer que sabemos o suficiente. Originalmente assumimos que fosse um novo grupo que estivesse a trabalhar nesta região, mas já encontramos algumas inconsistências nessa teoria. Já encontramos caras conhecidas, bandidos com que já nos tínhamos encontrado antigamente.

- Então o que acham que esteja a acontecer? Pode ser algum tipo de aliança entre os vários grupos? – Opinou Midsat.

- Não, é mais que isso. Acho que os bandidos encontraram um líder. Um líder que os juntou. E agora essa cabeça comanda um pequeno exercito de rufias que atormenta os habitantes dos burgos.

- Cortam a cabeça, matam a cobra. Não sabem onde é o esconderijo desse tal líder.

- Não é assim tão fácil Midsat. Para já, não sabemos se esse líder se quer existe. E o esconderijo. Eu pagaria uma boa moeda para saber onde esse sitio existe. Sabemos que é algures na floresta a este daqui, não sabemos é exactamente onde.

- Estou a entender. – Afirmou Midsat pensativo. – Não vejo como possa ajudar muito mais e também não vos quero manter afastados do vosso serviço muito mais tempo.

- Não tens que te preocupar. – Assegurou Urv estendendo a mão a Midsat. – Até uma próxima altura.


Feitas as despedidas, os guardas afastaram-se de Midsat em direcção ao exterior. Ainda fariam uma ultima inspecção ao povoado para descobrir se mais alguém tinha problemas com os bandidos. Posto isto Midsat decidiu voltar para o Dragão Vermelho na esperança de encontrar Lainos a fim de o questionar em relação às ervas que a condessa lhe tinha pedido. No entanto quando entrou no estabelecimento deparou-se apenas com Slosa e as suas filhas a limpar o recinto.

1 comentário:

Nerzhul disse...

Ulver and Seiva sitting in a tree...