Another Fine Mess



A girl read my runes in the warm dressing room,

It was then that I started to think
There has to be something really worth hunting -
I reach for another strong drink.
For ten lonely years - that's my reward.

My ego and I we have faced many dangers.
Fear and self loathing have never been strangers.
Nobody knows of the depths we have been to -
Or all the fine messes we've got ourselves into.
For ten lonely years - that's my reward.


Chega o final do ano e os conflitos na minha cabeça não se restringem à sua insignificância. Há dias em que tudo parece claro, que sei o meu caminho, mas também há outros em que esse ímpeto desvanece num letárgico esquecimento.
Se há coisa que não pode acontecer, é uma queda em face destas atribulações. Nem que tenha de procurar a minha força no fim de uma garrafa, eu sei que não me vou prostrar outra vez. Já não sou o mesmo. Cresci. Agora os problemas não parecem tão significantes como outrora.
E este sorriso. Este sorriso que não sei de onde vem. Este fogo arde perante a adversidade, na forma de um esgar provocador em face da adversidade embriaga-me mais que o próprio álcool. Enche-me e dá-me coragem e força para continuar a marchar, como um enorme grito de desafio dizendo: “Deuses e criaturas que nos tecem o destino podem mandar o que quiserem, pois o meu sorriso não desvanecerá e de cabeça erguida vos enfrentarei.”

Um bom novo ano.

Madalene – Sabores

Passei a noite acordada e pela cara da Clarisse, também ela. Sentámo-nos as duas na mesa da cozinha com uma taça de cereais à frente de cada uma e um pacote de leite no centro para ser dividido. Nenhuma de nós disse uma palavra e começamos a comer muito lentamente. Foi um processo incrivelmente demorado e cada movimento pareceu demorar horas a ser concluído. Pegar na colher, leva-la à taça de cereais e o doloroso, ruidoso, insuportável e infindável mastigar dos cereais. O ruído prolongou-se até eu não poder mais. Deixei cair a colher, puxei os cabelos para trás e com a cabeça encostada à mão fiquei a olhar para a Clarisse à espera que ela me dissesse algo. O que obviamente não aconteceu e fiquei especada a olhar para ela sem nenhum outro ruído para alem do mastigar.

Madalene: Vais dizer-me algo?

Ela continuou a mastigar com um olhar perdido no nada.

Madalene: Fala comigo Clarisse! Depois do que se passou ontem não podemos estar assim.
Clarisse: E o que se passou ontem Madalene?
Talvez não tenha sido boa ideia. O grito percorreu-me a mente como uma tempestade.

Clarisse: É que a ultima coisa que me lembro, é de ser assaltada e depois aquele homem no ar a sangrar de… Era tanto sangue…

Ela está a exagerar, não era assim tanto.

Clarisse: Eu não sei o que aconteceu, mas sei que tenho medo.

De mim.

Clarisse: De ti. Desculpa Mad mas foste tu que fizeste aquilo.
Madalene: Pois fiz! E sabe-se lá o que teria acontecido se não o tivesse feito.
Clarisse: E tu por acaso sabes o que fizeste? Eu não acredito que saibas!

Agora a Clarisse tocou em algo difícil de se responder. Não sei se pelo olhar dela, a tentar aguentar as lágrimas, ou se pelo que ela disse ter sido a mais pura das verdades e também a razão porque não adormeci esta noite.
O que se passou comigo? Eu não sei explicar mas o que aconteceu ao assaltante, sei que foi provocado por mim. De alguma maneira eu fiz aquilo acontecer, sem tocar nele sufoquei-o, esmaguei-o e quem sabe até o posso ter morto, só simplesmente porque quis.

Clarisse: Eu entendo o teu silêncio Mad. Mas eu vou passar uns dias com o meu pai. Desculpa mas…
Madalene: Tens medo, já entendi.

Não trocámos mais palavras entre esse momento e a altura em que ela saiu da casa.


Independentemente do que aconteceu, eu dava graças por hoje ser sábado. Pelo que parece estou ressacada e estranhamente, algo em mim sabia que não era da bebida.
Depois de limpar a casa decidi que tinha de sair, estar fechada em casa sem a presença da Clarisse era mais arrepiante do que eu esperava, ainda por cima com os fantasmas desta noite ainda a assombrarem-me.
Sai de casa e senti um calafrio assim que os raios de sol me tocaram no corpo. Olhei para o céu apenas para ser presenteada com uma sensação de desconforto ao lembrar-me da chuva colorida de estrelas no ar antes daquela situação. De alguma forma era significante e parecia muito pouco provável que as duas fossem apenas coincidência. De certeza que estavam conectadas.
Mas é melhor tirar a minha mente disto e sair da frente da porta do prédio.
O dia estava ameno, mas conforme continuei a andar o calor começou a apossar-se do meu corpo. Foi uma boa desculpa para comer um gelado, visto que já não comia um à uma eternidade. Chocolate e amêndoa, aposto que isto é o que se come nos dias de calor lá no além. Mas assim que acabei de comer o gelado fui invadida por um frio terrível, algo mesmo extremo que até me fez tremer. A sensação estranha de frio foi passando e tudo voltou ao normal.

Sem a Clarisse passar o tempo era um pouco mais aborrecido. Acabei por deixar o tempo passar por mim com a televisão ligada e a soprar constantemente para a franja esvoaçar de um sítio para outro.
Comi os restos de o macarrão que foi feito ontem e agora ainda mais senti a falta da Clarisse, que para mal dos meus pecados, eu não consigo cozinhar para salvar a vida e até para aquecer estes restos dei um ar da minha graça ao queimar um pouco. Engoli com custo o alimento, ora frio, ora quente, ora totalmente carbonizado, enquanto os meus olhos se focavam no ecrã da televisão que repetia a mesma história de notícias macabras e pecados do homem.
A noite foi decorrendo lentamente. As notícias transformaram-se em anúncios que depois transformaram-se em novelas. E eu continuava a olhar para o ecrã, por cima do prato sujo do jantar, estática e totalmente aborrecida.
Decidi que tinha de sair. Não pensei que sentisse tanta falta da Clarisse mas depois destes dois anos a vivermos juntas, eu nem conseguia pensar direito sendo assombrada pelo facto de que ela tinha fugido.
O ar nocturno estava fresco e uma sensação de mau estar percorreu-me o corpo. Senti o meu sangue a arrefecer, veia a veia, conforme a primeira lufada de ar entrou-me no corpo. Percorri as ruas de Radiance deambulando sozinha por vários cantos que conhecia, mas eventualmente cruzei o caminho da noite anterior. Parei no beco onde a Clarisse foi assaltada. Engoli a seco assim que me aproximei e vi uma mancha distinta no chão. A cor avermelhada não deixava o caso aberto a discussões, aquilo era o resto de sangue que tinha ficado colado ao pavimento depois do que sucedeu ontem e havia um rasto distinto que seguia para dentro do beco, o que significava que muito provavelmente o homem tinha sobrevivido. Arrepiei-me, tanto de frio como de algo mais, senti-me observada e com um mau estar horripilante.
Fugi daquele sitio com o coração a saltar-me no peito e com a terrível sensação de que algo estava bastante errado comigo. Continuei sem rumo agarrada ao peito e tremendo e assim que pude meti-me dentro de um estabelecimento, não me importava se era discoteca, bar ou até um café de rua, eu só precisava de uma bebida e um sitio onde me sentar.
O ambiente era bastante escuro e vazio se uma pessoa ignorasse a confusão de luzes que piscavam, a neblina falsa, o ruído ensurdecedor da musica e a multidão que se esfregava calorosa e vivamente na pista de dança.

Barman: E o que vai tomar esta noite?

A agonia dentro de mim estava tão intensa que nem me dei ao trabalho de levantar a cabeça para responder

Madalene: Qualquer coisa com uma boa percentagem de álcool dentro.
Barman: Ontem não chegou?

O meu coração bateu mais lento. Levantei a cabeça e engoli a seco quando vi aquela cara sorridente. Estava na mesma discoteca da noite anterior, onde a Clarisse tinha magoado o pé. Senti-me que nem uma criminosa a voltar ao lugar do crime, pois inadvertidamente tinha corrido em inverso o caminho que percorremos ontem à noite.

Barman: Está tudo bem?
Madalene: Está.

Respondi num tom seco e de olhos esbugalhados tentando controlar o choque.

Barman: Não parece. Alguma coisa que queiras falar?
Madalene: Não.
Barman: Estavas mais simpática ontem.

Ele despejou-me uma bebida mas continuei um pouco perturbada. Cuidadosamente peguei na bebida e meti o copo aos lábios. Fechei os olhos e saboreei o doce aroma da bebida. Senti um ardor a percorrer-me o corpo e então abri os olhos. O rapaz estava a olhar para mim de sobrolho erguido e expressão inquisitiva mas eu mantive-me em silencio. O ardor ainda estava a percorrer-me o corpo e tinha medo de começar a tossir se abrisse a boca. Ele ainda me questionou se estava tudo bem, possivelmente devido à minha face um pouco agoniada, mas ainda demorei um pouco a responder. Finalmente limpei a garganta e numa insanidade momentânea evitei responder-lhe mas perguntei:

Madalene: Quando é que sais daqui?
Barman: O quê?
Madalene: Ouviste bem. Responde antes que mude de ideias.



Não sei realmente o que tenho na cabeça. Podia afirmar que não é meu habito levar homens que não conheço para minha casa, mas isso seria errado. Normalmente é um motel, ou nas casas deles, mas desta vez estava tão disposta a ver-me livre desta sensação que tudo valia.
Já tínhamos passado a porta da casa e estávamos aos beijos como se a nossa vida estivesse dentro da boca do outro. As mãos percorriam os corpos um do outro afagando todos os contornos dos corpos. Ao passar a mão pelo peito dele consegui sentir os seus músculos por baixo da t-shirt e a vontade de lhe sentir o corpo e a sua pele avassalou-me. Rapidamente tirei-lhe a t-shirt, lancei-o contra a cama e em seguida meti-me em cima dele. As mãos dele subiram da cintura até ao peito e nesse movimento a minha camisola voou para o chão do quarto. Rebolamos aos beijos na cama até ele estar em cima de mim e ai, com um sorriso agarrou-me nas calças e beijou-me o pescoço. Conforme os seus beijos começaram a descer pelo meu corpo, assim as minhas calças começaram a deslizar das minhas ancas. A sensação era tão boa que dei por mim a gemer suavemente, mas quando ele tinha puxado as minhas calças até aos meus pés eu cometi o grave erro de abrir os olhos. A flutuar no ar, em volta da cama, estavam as roupas que já tinham saltado dos nossos corpos, assim como o candeeiro da minha cómoda. Em pânico soltei um grito e tudo caiu no chão. O estrondo do candeeiro a partir-se em cacos misturado com o meu grito fez o rapaz dar um enorme salto para fora da cama.

Barman: O que se passou?
Madalene: eu… eu preciso de estar sozinha.
Barman: desculpa?
Madalene: Isto não dá, vais ter de sair.

Assustado o rapaz vestiu-se e saiu. Ele estava demasiado entretido, acredito que não viu nada. No entanto eu não posso negar o que se passou. Primeiro o incidente com a Clarisse, agora isto, há algo de errado comigo. Na cómoda ao lado da minha cama havia uma moldura com uma foto da minha mãe. Estendi-lhe a mão, senti um mal-estar a percorrer o meu corpo e imediatamente a moldura deslocou-se sozinha. Gelei por dentro mas mantive a posição e em poucos segundos a moldura estava na minha mão, sem qualquer outro movimento meu.