Nefastos

Acordei. Os meus olhos sentiram dificuldade em habituar-se à luminosidade. Via tudo desfocado mas apercebi-me que não estava no mesmo lugar. Agora encontrava-me numa cadeira, num cubículo de pequenas dimensões com um foco de luz directamente à minha frente. Lentamente, comecei a aperceber-me de onde estava quando os meus olhos habituaram-se à luz e consegui ver uma silhueta a dançar à minha frente. Não quis acreditar e levei as mãos à testa, não tinha a lógica nenhuma eu ter deixado Guelika para vir aqui, muito menos a hipótese de ela ter-me posto aqui por diversão. Conforme a minha visão se habituou, consegui ver as formas da musa que se movia à minha frente que balançavam lenta e gentilmente ao som de uma música que parecia estar gravada na minha cabeça. Ainda não acreditava que estava ali outra vez, mas já que tinha pago, ou alguém tinha pago por mim, aproveitei o espectáculo até ao fim.

A música acabou e a sua dança cessou, ela ajoelhou-se à minha frente, soprou-me um beijo e ficou a olhar-me nos olhos com um sorriso na cara. Eu também não desviei o olhar conforme a porta se fechava diante nós e aquelas duas esferas azuis como o mar desapareciam perante elas. A porta fechou e eu enfiei a cabeça entre as pernas, suprimindo um grito. Sai do cubículo e tentei entender onde estava. O cheiro forte a tabaco e as paredes pintadas a castanho com posters das “artistas” colados com fita-cola era uma visão conhecida. Estava no “Abraço das Serpentes”, o bar de strip/peepshow mais reles cá do sítio. Eu já tinha frequentado este sítio mais vezes do que era saudável, mas já tinha passado muito tempo desde que eu vinha aqui, mesmo muito e ainda não conseguia entender porque raio estava eu aqui outra vez.

Foi então que reparei num par de olhos grandes e amarelos no canto da sala a olhar para mim. Uma criatura olhava para mim com um esgar de satisfação. Não sabia quem ele era, mas parecia conhecer-me a mim. Avançou até mim. Fato branco e calças a condizer, com uma gravata azul. Pele verde e escamosa, dois lábios quase inexistentes e uma careca que parecia ter sido polida e brilhava nas luzes do estabelecimento. Ele sorriu para mim com uma fileira perfeita de dentes brancos e estendeu uma das suas mãos reptilianas em cumprimento.

- Daniel Leudovico, ao seu dispor. – Apresentou-se quando lhe apertei a mão. – E você não precisa de dizer quem é, já ouvi dizer muito boas coisas a seu respeito.

- Muito prazer. Mas lamento se não o conheço. – Respondi com a mente ainda mais confusa.

- Ora bem, eu sou o proprietário deste estabelecimento. Quer dizer, o novo proprietário.

- Novo?

- Não soube? O Marco faleceu a semana passada. Eu era o sócio dele e assumi o seu cargo e tenho de admitir que até é um buraco acolhedor. – Informou-me mantendo sempre o sorriso que fazia parecer que queria vender algo.

- E tem o hábito de cumprimentar pessoalmente todos os seus clientes? – Respondi, sentindo-me mais ciente de mim.

- Por amor de Deus não! – Clamou benzendo-se. Ri-me dele ao ver fazer aquele gesto, era adorável ver o dono de um lugar destes como um devoto. - Não Já viu a maioria das pestes que frequentam este local? A maioria deles, nem sei onde andam com as mãos, já para não falar dos ninhos de doenças que são. Não, eu guardo a minha presença para criaturas mais ilustres, como você.

- Como eu? – Disputei com estampando o meu sarcasmo na cara. – Desculpe-me se eu não devoro inocentemente todos os retalhos de prezes que me lança. Eu não gosto de confiar em qualquer estranho que me oferece a sua mão.

- É justo. – Respondeu o lagarto com uma expressão solene. – Mas fique a saber que tenho conhecimento que fez alguns favores ao Marco. Talvez eu necessite de alguma ajuda no futuro.

- Pois, já imaginava que fosse algo assim. O que é curioso estar-me a pedir, quando eu não me recordo sequer como vim para aqui. – Disse, tentando sondar a reacção dele, que, para meu desapontamento foi uma de confusão e surpresa.

- Veio para aqui com os seus próprios pés. Eu próprio a vi a entrar.

- Está bem. – Esfreguei a cara e suspirei. – Tem sido uma noite interessante.

- Pois bem, permita-me que a torne ainda mais interessante. A Nadja pediu-me a sua companhia.

- Ela ainda trabalha cá?

- Sim e quando descobriu que estava cá quis imediatamente ser escolhida para seu prazer.

- Reparei nisso. – Lembrando-me da pequena dança que tinha desfrutado assim que acordei.

Vi-a a olhar-me pelo canto do corredor que levava até aos camarins das “artistas”. Atentos aos meus movimentos, os seus dois grandes olhos azuis observaram-me a aproximar-me dela.

Quando estava perto, ela agarrou-me pela mão e levou-me rapidamente para a sala onde as senhoras se preparavam para os seus espectáculos. Lá dentro elas vestiam-se em roupas reduzidas e, ou fantasiosas, arranjavam a maquilhagem e gritavam umas com as outras, trocando insultos e mexericos. A Nadja levou-me pelo meio daquele mar de mulheres que me olhavam de relance e rapidamente perdiam o interesse. No meio daquela pressa algo correu mal. A minha mente turvou e uma sensação de tontura, de deslocação deturpada apossou-se de mim. Pareceu que caminhamos durante horas e então deparei-me em frente a Nadja, no meio da rua, numa noite chuvosa.

- Obrigada por me trazeres a casa. – Disse ela debaixo da chuva com o seu olhar penetrante e doce cravado no meu.

Olhei para a esquerda e vi um prédio opressivo, de cor escura como a noite e várias luzes amarelas fugindo de algumas das janelas. A chuva continuava a cair.

- Como é que…? – Comecei mas interrompendo-me a meio da questão e rendendo-me à loucura. – Não tens de quê.

- Sabes? Eu gosto de ti, não és como todos os outros pervertidos… - Disse comovida. Apesar da chuva, consegui entender que chorava. – Tu vens e aprecias o espectáculo, a arte, aprecias-nos e aprecias-me. Não como todos os outros tarados que vêm-nos apenas como pedaços de carne, como auxílios à sua masturbação arfando como cães nojentos.

- Mas se tu não gostas desta vida, porque não mudas? – Perguntei eu com uma inocência que até me meteu nojo poucos segundos depois de a ter dito.

- E o que faria eu para além disto? – Perguntou ela com o seu sorriso doce mas este também possuía um travo amargo. – Não sei fazer mais nada. A minha vida é isto. Agradeço-te pela companhia mas…

- Tens que sair da chuva para não te constipares. – Interrompi sorrindo-lhe.

Ela abraçou-me e despediu-se entrando no apartamento. Pouco tempo depois de desaparecer por entre a bocarra daquele monstro de pedra e cimento, as luzes do seu interior apagaram-se. Um trovão rugiu por cima da minha cabeça e de repente começou a chover outra vez. Mas havia algo estranho nesta chuva, era mais pesada, mais forte. Foi então que levantei as minhas mãos à altura da minha face e vi nelas as gotas a baterem e eram negras como petróleo. Aquela chuva de escuridão foi rapidamente invadindo as ruas e cobrindo os edifícios e repentinamente tudo foi varrido. Tudo foi limpo pela escuridão que invadiu o mundo.

Abri os olhos com o coração a querer escapar-me pela garganta. Ouvi o ressonar característico de Guelika ao meu lado e o meu coração amansou. No entanto a imagem da Nadja não me saia da cabeça. Temi que algo se passasse com ela, não sou de acreditar em sonhos proféticos ou nada disso, mas talvez o facto de não ver a rapariga há algum tempo estava a deixar-me com preocupações que não devia.

Suspirei e tentei voltar a adormecer, mesmo com a irrequieta preocupação de que algo podia estar a passar-se de errado com a Nadja. Foi então que ouvi a chuva lá fora, a bater nas janelas, no tecto, nas paredes. Um arrepio percorreu-me a espinha e uma sensação de angústia apossou-se de mim.

Guelika moveu-se um pouco no seu sono e estreitou o seu abraço como se tivesse apercebido da minha aflição. Suspirei outra vez sob o abraço desta filha de Hékate, independentemente dos possíveis feitiços que ela tinha metido em cima de mim, parecia que me acalmava como queria.

O que estou eu a pensar? Parece só que estou a encher a minha mente de palha…

Os Nefastos

Tinha parado de chover, mas as minhas roupas já estavam ensopadas. Tinha encontrado um lugar onde me proteger da tempestade, mas já tinha sido tarde demais. Pingava por todo o lado e imaginava-me a espremer as roupas e com a água encher um bule para fazer um chá de camomila.

- Preferia um de limão e canela. – Opinou uma figura estranha ao meu lado.

Era uma criatura estranha de corpo corcunda, coberto por uma gabardina cinzenta, suportado por uma bengala que pouco parecia servir pois continuava bastante abaixo de mim. Dedos ossudos mas fortes, munidos de unhas compridas que agarravam a bengala em condições imaculadas, com o punho da bengala adornado com uma pequena estatueta da cabeça de uma capelo. Da minha posição podia ver-lhe o cabelo ralo e oleoso que formava como uma coroa em volta de uma limpa careca. O nariz pontiagudo espreitava de uma face cheia de rugas e pele caída que também albergava um par de olhos piscos e negros assim como lábios finos, quase inexistentes, que escondiam um sorriso macabro de dentes afiados.

- Já te disse para parares de fazer isso, ou preferes que cada vez que estiver na tua encantadora presença não tenha mais nada que pensamentos um pouco devassos? – Ameacei-o

- Por favor não. - Suplicou com uma expressão de nojo. – Essas coisas dão-me a volta ao estômago.

Ai, sexo… Engraçado saber que a melhor arma contra este monstro era o simples pensamento de corpos suados entre lençóis suaves e se metesse sémen ou fluidos vaginais melhor.

- Eh! Pára! Consegues ter uma mente mais nojenta que o meu covil. – Continuo a criatura que não tinha aprendido ainda a não entrar na minha mente.

- Obrigado Vergil. Sabes que tento ser por ti. – Respondi sorrindo. – Mas o que queres? Não me ias procurar só por masoquismo.

- Obviamente que não. – Vergil sacudiu-se como se tentasse afastar os pensamentos da própria pele. – Bem a Guelika quer falar contigo.

- E ela não me podia falar directamente? Tinha de me fazer suportar a tua presença?

- Sabes tão bem como eu que és a ultima pessoa que eu queria ver. Ainda por cima com… essa mente. – Replicou com desprezo, seguido de uma pausa e um suspiro. – Mas com a Guelika ninguém nega, ou acabamos a espumar sangue com os intestinos a serem desfeitos e com isso tudo ainda demoramos vérias horas a morrer, sem nos podermos mexer.

- De facto ela é uma senhora interessante. – Disse com um sorriso algo sonhador.

- Não quero saber dos teus pensamentos nojentos envolvendo aquela bruxa. Quero que saibas que ela quer falar contigo ainda antes da meia-noite. Diz que vai estar no Ambrósia à tua espera até à meia-noite. É melhor que vás lá antes disso ou já sabes o que te espera. – Falou mostrando o sorriso afiado.

- Como podes ver não estou nas melhores condições para fazer uma visita à formosa Guelika. Por alguma razão que não entendo, a humidade apossou-se do meu belo corpo.

- Não me importa isso, não quero saber de nada que queiras dizer. O trabalho foi feito e podes fazer o que quiseres com a informação. – Ele calou-se e envergou pela rua escura falando apenas quando estava quase a desaparecer na noite. – Espero que seja desta vez que ela te corte mesmo.

Suspirei, o meu corpo começava a gelar e eu não tinha nada a fazer excepto ir ter com a Guelika, que infelizmente aquele parasita intestinal tinha razão. Não podia dizer não à Guelika. Era uma mulher de desejos macabro que precisavam de ser saciados ou todos nós é que sofríamos. Só espero que desta vez não envolva outra vez um sacrifício, juntar sangue à água é só a piorar (ainda me pedia para rebolar em esterco só para melhorar) e ao menos a água seca, o sangue cria questões.

Cheguei ao Ambrósia. A luz de néon azul brilhava por cima da porta escrevendo o nome do bar causando um erro ortográfico devido ao R que apenas tinha luz durante uma questão de segundos. Era um local de má fama e que eu achava ser claramente um buraco. E porquê buraco? Porque começava com a ilustre entrada, onde um segurança com a clássica combinação de óculos escuros e de t-shirt com as mangas cortadas, obviamente para acentuar a massa muscular anormal, em no mínimo haveria esteróides envolvidos. Depois para acrescentar à beleza de dito buraco, dois bêbados lutavam à frente do estabelecimento, que apesar da maioria dos golpes serem desastrados e tristes chapadas amaricadas eventualmente um ou outro acertava o seu oponente e ambos já jorravam sangue do nariz. E para finalizar o quadro, obviamente destinado às mais distintas galerias de arte, estavam duas mulheres de uma idade respeitosa, com trajes pouco respeitosos e com corpos que mais valiam estar escondidos do que apertados naquelas roupas tenebrosas, tentavam vender-se ao segurança para entrar no dito buraco.

Consegui ouvir um pouco da conversa quando me aproximei, mas era de tão baixo nível que não vale a pena repetir, apenas abstrair-me e anunciei que a Guelika esperava-me e foi-me aberta passagem para dentro.

- E nós não podemos entrar, é? – Bramiu a mulher com uma voz estridente e nasalada - É por causa destas coisas que o país está como está, uns têm cunhas, outros ficam a ver navios.

Parei e olhei para trás. Olhei as mulheres de cima abaixo e senti uma pequena náusea no fundo da garganta, a subir para a boca onde se formou em palavras, precariamente presas pelos dentes. Sem pensar duas vezes, soltei-as.

- Se vossas excelências decidissem apresentar-se como mulheres – Disse eu com um sorriso irónico na boca. - E tivessem a consciência que não vão a lado nenhum vestidas como putas, talvez tivessem mais sorte.

Consegui ouvir uma exclamação de choque e o inicio de um insulto, mas desvaneceu quando a música do “bar” invadiu os meus ouvidos.

A luz era quase inexistente, apenas os clarões das luzes da pista de dança iluminavam, ainda que precariamente, o interior daquela toca. Perguntei ao barman onde podia encontrar Guelika e segui para encontra-la. Estava num camarim no segundo andar desta espelunca, acima do bar.

Quando entrei ela estava sentada, num banco, de costas para mim mas em frente a um espelho. Penteava lentamente e com cuidado o seu longo cabelo avermelhado enquanto um sorriso tracejado pelo batom escarlate olhava para mim com aqueles olhos cinzentos e penetrantes que tanta impressão me fazia. Mas o que trazia vestido é que era interessante. Um corpete roxo de laços negros que, com o cabelo afastado por cima do ombro mostravam-se visíveis e apertavam o corpete na sua cintura mas não no peito, tornando o seu decote um pouco mais, digamos, precário e unicamente para além do corpete, tinha vestida uma tanga de renda que envolvia amorosamente as ancas parecia estar confortavelmente sentadas na almofada do banco.

- Ainda bem que vieste. – Começou, como uma voz melosa que parecia querer gemer ao acabar a frase. – Pensei que ia ficar sozinha hoje.

- Lamento a demora, as minhas roupas estavam uma lástima e tive de ir trocar. – Respondi secamente tentando, mas falhando, em mostrar o meu desconforto.

- Estou a ver. Mas não há problema, podias ter tirado a roupa aqui.

- Obviamente que sim. Mas não quis causar maçada.

- Não causavas maçada nenhuma, sabes disso.

- Sei.

Obviamente que esta conversa não ia a lado nenhum, era um clássico de Guelika. Uma pessoa que não a conhecia de certeza que se sentiria perturbada pela demora nas suas palavras, que pareciam andar em volta de si próprias sem ir a lado nenhuma, mas eu não, eu só me sentia um pouco.

- Não entras? – Questionou, pousando a escova do cabelo. – Anda, fecha a porta e ajuda a pentear-me.

Assim o fiz. Engoli a seco, ganhei coragem e avancei para ela. Peguei na escova e antes de a pentear passei a mão pelo seu cabelo.

- Parece seda. – Disse-lhe sem pensar.

- Obrigada. – Agradeceu ela como uma rizada genuína. Não sei se estava a gostar da reacção que me causava ou estava realmente lisonjeada. – Como tens passado? Há algum tempo que não te vejo.

- Tenho passado às mil maravilhas. – Respondi nervosamente tentando mascarar com humor. - E tudo melhora contigo a chamares-me para aqui no meio de uma tempestade.

- Oh, não queria causar-te trabalho. – Desculpou-se a Guelika segurando na minha mão. Lentamente levantou-se e ainda agarrando na minha mão levou-a à sua cara. – Mas já que estás aqui, podíamos ir-nos divertir um bocado.

Olhei de soslaio para a cama dela à minha esquerda, que estava repleta de roupa, alguns ídolos heréticos e uns instrumentos que me faziam temer a sua utilidade.

- Hoje não, o cansaço destruiu-me a vontade e a humidade da chuva que apanhei deixou-me com ranho. – Tentei forçar um sorriso. - Sexo e ranho não me parecem bem.

- Oh se é assim sempre podia matar-te e depois divertir-me com o teu cadáver. Rigor Mortis é sempre divertido. – Retorquiu com uma velocidade tenebrosa e uma expressão amuada. – Ou podemos simplesmente dormir agarradas.

- Tenho de admitir que a segunda opção parece-me melhor.

Acabamos na cama, ela com os braços em volta de mim e eu a olhar para o tecto. Não era a primeira vez que olhava para aquele tecto, mas também não seria a última. Muitas vezes o destino me levaria ali e eu não sabia se devia odiar ou se esperar com excitação por esses momentos. Mas uma coisa sabia, o futuro ou o passado eram irrelevantes quando eu tinha os seus dentes no meu ouvido, suspirando palavras doces que eu também tinha a perfeita noção que eram venenosas e que se as continuasse a ouvir acabaria por morrer. Para minha benesse, ela acabou por adormecer, deixando-me com o leve ressonar que lhe era característico. Para toda a sedução e medo que tentava instigar o momento em que adormecia fazia-a parecer mais humana.

Já não era mau…

Coisas que nos inspiram


Sair da hibernação

Ora bem, outra vez estou a sentir o bichinho da escrita. Tendo em conta que não escrevo nada de jeito há mais de um ano isto não me parece que vá de uma maneira boa.
De qualquer maneira aqui vai um resumo.

Neste momento trabalho em 5 histórias distintas.

Primeiro - Aquela que eu quero absoluto segredo sobre, pois gostaria que eventualmente fosse publicada em formato de livro.

Segundo - A mais activa neste momento "Os Nefastos" um conto sobrenatural sobre uma personagem enigmática que sofre de sonhos agoirentos, apontando para uma antiga rivalidade. O mundo, não muito diferente do nosso, esconde sombras amigas e inimigas, criaturas abomináveis que pretendem satisfazer apenas os seus desejos assim como mãos nobres que ajudaram a heroína na sua luta. O grande obstáculo será distinguir os seres benéficos dos maliciosos.

Esta história está a ser postada no Imperialium mas brevemente será republicada aqui.

Terceiro – A inacabada história do Colector de Corações irá continuar. Terei de a reler, mas em breve será publicada uma continuação.

Quarto – Uma historia nova no mesmo mundo que o Colector de Corações sobre uma tropa de guerreiras femininas que lutam na sua própria pátria contra a rejeição social tentando marcar o seu lugar no mundo.

Quinto – Para finalizar, a pouco amada Madalene terá a sua continuação. Possivelmente uma remodelação mas ainda é a história que pretendo dar menos ênfase. Quem sabe as coisas possam mudar.

Tendo isto em conta, tentarei tornar-me mais activo e voltar à escrita visto que ultimamente os rasgos de inspiração têm vindo em maior quantidade.

Now we've come to the end of the line.


Pick up the fragments and piece them together
Tell me do you like what you've found?
Are your thoughts like the earth spinning round?
Existence is pure pantomime
Why is life such a puzzle sometimes?

Trapped in a world I no longer feel part of
Each day is a thorn in my side
Though I've carried my cross - worn my heart on my sleeve
Still deep inside something has died.
If men have a sell-by-date I've just reached mine
Now we've come to the end of the line.
Why is life such a puzzle sometimes?

Well I just can't believe that it's happened again
Always knew that it would - just a matter of when
A lie was the last straw on this camels back
And just like Lot's wife I could never look back.
So maybe the reason I act so estranged
Is you still dream of him, it's you that has changed.

No method to madness - no reason to rhyme
Now we've come to the end of the line.
Why is life such a puzzle sometimes?

Well I just can't believe that it's happened again
Always knew that it would - just a matter of when
A lie was the last straw on this camels back
And just like Lot's wife I could never look back.
So maybe the reason I act so estranged
Is you still dream of him, it's you that has changed.

If men have a sell-by-date I've just reached mine
Now we've come to the end of the line.
Why is life such a puzzle sometimes?

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Colector de Corações - Parte 9

O terceiro dia chegou sem a tormenta do anterior. Os céus estavam azuis, com poucas nuvens e a terra ainda húmida das chuvas apresentava um castanho vivo, com o cheiro da terra a inundar o ar. Enquanto os agricultores aproveitavam a suavidade da terra e os porcos se divertiam a rebolar na lama que restava, Midsat já se encontrava no caminho para o palácio da Condessa. O pequeno caminho pelo bosque circundante pareceu-lhe curto quando ele viu a guarnição de Tarne.
Confirmou que trazia os três sacos com as diferentes ervas. Sacos esses que no dia anterior tinha comprado quando acompanhava Rasi e Delfi nas compras para o Dragão Vermelho. Rasi era a primeira das filhas de Slosa que Midast tinha conhecido naquela manhã em que também tinha tido o seu confronto com a Princesa ladra, mas que até aquele momento não sabia o seu nome. Longe do seu local de trabalho Rasi mostrava-se ainda mais sociável, puxando por Midsat para partilhar da sua vida, fazendo piadas e oferecendo as suas risadas caricatas e joviais. Já Delfi tinha se mantido mais silenciosa. Era a segunda mais nova da estalagem mas tinha uma maturidade bem acima da sua idade. Comportava-se como uma pequena senhora, sorrindo graciosamente das piadas da irmã, conversando pausadamente e cumprimentando cordialmente todos os que conhecia ou quem negociava. Não era uma rapariga tão bela quanto as suas irmãs. Era quase tão alta quanto Rasi, tinha a cara arredondada e cabelo negro quase indomável que apesar de liso negava a manter-se homogéneo, os seus pequenos olhos tinham uma tonalidade castanha que às vezes se confundia com vermelho e a sua pele tinha um tom torrado, evidenciando que tinha as suas raízes no sul.

Cada uma das irmãs tinha uma cesta onde iam colocando as suas compras. Quando já se encontravam carregadas decidiram ir procurar pelas ervas que Midsat necessitava. E como Lainos tinha previsto, duas das ervas encontraram-se com bastante facilidade, já a terceira foi impossível de achar nas lojas convencionais. Por isso precisaram de percorrer caminhos mais negros nos mercados da cidade. A sua busca levou-os uma velha que vários habitantes de Lazindur chamavam de bruxa, pois todos aqueles que admitiam algum conhecimento da suposta erva diziam que apenas conheciam uma pessoa que poderia possuir tal artigo e essa pessoa tinha reputação de praticar bruxaria assim como possuir conhecimento das magias mais negras existentes.
Chegaram a uma casa na parte pobre da cidade. Como todas as outras neste local, era feita de madeira, mas esta estava um pouco mais envelhecida. Das janelas vinha um brilho amarelo de que algo dentro da casa ardia, mas para além disso mais nada conseguiam perscrutar no negrume da habitação.
Rasi quase que tremia e Delfi engoliu a seco quando Midsat deu o primeiro passo. Todos contavam histórias das coisas que se passavam naquela casa e todas essas histórias falavam de rituais negros e sombras mal-formadas projectadas do interior da casa, mas isso não demoveu Midsat, deslocou-se até entrada e com a mão pesada bateu à porta.
A porta abriu-se com um demorado ranger e do outro lado uma cara juvenil, de um tom tão branco que não parecia natural. Era uma rapariga mais baixa que Midsat, de pele incrivelmente alva e traços infantis, tinha um cabelo ruivo, um pouco oleoso, preso num carrapito, apenas com duas madeixas caindo sob as maçãs do rosto. Ela observou Midsat de cima a baixo com os seus olhos negros escondidos por trás de uma expressão sonolenta e então anunciou com uma voz serena.

- A mãe estava à vossa espera. Por favor entrem.

A rapariga fez sinal para eles entrarem e Midsat não se fez de rogado. No entanto as duas irmãs mantiveram-se estáticas no mesmo lugar, com demasiado temor para se mexerem. Algo que a pequena rapariga ao reparou e não tardou a dirigir-se a elas com um pequeno sorriso.

- A mãe está à espera dos três. Não só do homem.

E com isso dito a menina voltou para dentro do negrume da casa. As irmãs entreolharam-se e com uma passada incerta também elas entraram no covil da bruxa.
Apesar de varias velas acesas, das janelas abertas e de uma lareira a crepitar, O interior da casa era incrivelmente escuro, como se a luz tivesse dificuldade em penetrar dentro da residência. Havia tachos e panelas em tudo quanto era canto, vários sacos e livros poeirentos arrumados em estantes e no centro estava uma mesa. Mesa essa que quatro cadeiras, onde numa delas uma mulher se sentava. A sua cara mostrava a passagem de varias estações, tinha o cabelo grisalho amarrado como a rapariga que os tinha cumprimentado e com os seus olhos quase cinzentos olhava-os com um sorriso desdentado. Midsat manteve-se imóvel enquanto Delfi tentava manter a mesma postura, tentando não mostrar o seu nervosismo, Rasi no entanto começou a murmurar uma reza a Arana por protecção. A mulher apercebendo-se do que Rasi fazia soltou um riso macabro e começou a falar.

- Não te preocupes em pedir por protecção criança. Não estás em nenhum perigo.

Rasi ficou muda após essa observação. Não esperava alguém que aparentasse aquela idade ter boa audição, quanto mais ouvir algo que pouco som tinha.

- Ouvi dizer que a senhora tem vários tipos de ervas para venda. – Disse Midsat convicto, demonstrando nenhuma perturbação.
- Ouviste bem meu rapaz. – Concordou a mulher virando a cabeça lentamente para Midsat, parecendo investiga-lo lentamente com o olhar. – Eu trabalho com muitos ingredientes mágicos e alquímicos. E em resposta à tua próxima pergunta sim, tenho o que tu queres.

Houve um pequeno silêncio na sala que deu oportunidade para as respirações fazerem-se ouvir.

- Então se sabe, a quanto fica um punhado? – Perguntou Midsat com uma voz marcante.
- Poderei dar-te, sem qualquer custo. Mas primeiro terás de fazer algo por mim.
- Midsat. – Chamou Delfi aproximando-se. – Não acho que deveríamos ter qualquer negócio com esta mulher.
- Vocês, filhas de Slosa são muito desconfiadas! – Clamou a bruxa, levantando-se da cadeira. Para além de ser baixa tinha as costas encurvadas e caminho até perto da lareira apoiando-se num bordão. – A única coisa que eu quero é fazer umas perguntas e dizer umas verdades. Aos três.
- Então faça! – Exclamou Delfi com o coração ao rubro dentro do peito.
- Pois bem. Meu rapaz diz-me, o que fazes tu aqui?
- Trabalho. – Retrucou prontamente Midsat.
- Trabalho? E é o trabalho que te move? Esta juventude já não é o que era, já não há sentido de dever, de destino. Agora é o dinheiro que vos move. Mas não… – A velha fez uma pequena pausa enquanto atiçava as brasas da lareira. – Não é trabalho. Se fosse somente trabalho não estavam aqui os três.
- O que quer dizer com isso? – Indagou Delfi tentando manter a postura e não ceder ao medo.

A velha olhou de esguelha para Delfi e depois deslocou-se para mais perto deles.

- Não vou mentir. Os caminhos do destino não são escondidos a mim. Sentem-se e talvez possa deitar alguma luz no trilho que vos trouxe aqui.

Os três sentaram-se com alguma hesitação, pois a conversa da mulher estava a perturba-los. Ela parecia muito confiante de si, sempre com um sorriso na cara e até Midsat se perguntava pelo porquê de tanta cerimónia para uma simples compra de ervas.

- Filha, prepara um chá para os nossos convidados. – Ordenou a velha para a rapariga que se tinha mantido à porta. Sem mais demoras a idosa sentou-se na cadeira em frente às outras três e continuou a falar. – Os conflitos determinam a vida. A luta para que a nascente quebre a rocha, para que o rebento brote da terra ou a luta entre caçador e a presa. Todos estes são exemplos do nosso mundo em conflito consigo próprio para criar e suster vida. E nós humanos, até o nosso primeiro sopro de vida é um combate, quando crescemos somos talhados pelos nossos conflitos e nossas lutas pessoais. E é isso que estamos aqui para averiguar.

O chá veio para a mesa num bule a fumegar. Rapidamente, o odor adocicado de frutos silvestres encheu a pequena casa conforme a rapariga o despejou para cinco chávenas. Em seguida a rapariga pegou na sua chávena e deslocou-se para um banco em frente à lareira. Os três estranharam a atitude da menina, pois o dia por sim não estava frio, coisa a que a idosa não fez caso e após beber um trago do seu chá continuou o discurso.

- Dos três podiam estar dois, podia estar um, ou até podiam ser outros desconhecidos, mas não. Os três foram encaminhados para este local pelos ventos de Anara, cada um com o seu destino marcado para o rio de almas de Deraq.

Os seus dedos compridos apontaram lentamente para Rasi, que imediatamente ganhou um tom rubro e ficou com o seu corpo tenso.

- O que o teu coração deseja irá receber. Irás viajar os ventos de mudança quando os do povo antigo acordar. Saborearás néctares divinos dessa sede que te corre pelas veias e de norte a sul encontrarás as tuas nascentes, Rasilita Fresia, filha de Slosa.

Ao acabar a profecia a anciã respirou fundo e afundou-se na cadeira como se exausta. Rasi estava pálida e absolutamente estática com os olhos esbugalhados e com a mão em frente da boca não sabendo se o seu corpo tinha força, ou vontade, de proferir uma única palavra.
Não ignorante ao estado de Rasi, a vidente, tremendo, levou as suas mãos à chávena e sorveu mais um trago do chá, colocando depois a sua mão em cima da de Rasi que se mantinha em cima da mesa.

- Bebe o chá criança. Irás sentir-te melhor. – Assegurou a anciã mudando a sua atenção para Delfi. – E que historia contas tu? Certamente não pelo caminho que mostras ir, não é? Delfi Fresia, filha de Slosa, o quanto tu escondes de todos nós. Essa força, esse fogo. Irás despertar gigantes e serás firme como as muralhas desta cidade contra eles. A tua vida passará por chama e aço até a tua pele ficar como o teu espírito.

Quando a bruxa acabou de falar a Delfi estava estática. Também como a sua irmã, Delfi não conseguia proferir uma única palavra, mas esta mantinha a aparência calma e controlada, apenas os olhos vidrados demonstravam a miríade de sentimentos que urravam dentro de si.
A anciã completou o mesmo ritual de beber o chá antes de continuar a sua profecia. Ela olhou para Midsat e com um grande sorriso nos lábios proferiu calmamente.

- Midsat Delron… - A velha fez um grande silêncio e depois continuou. - … O teu destino está um pouco próximo demais, não é? Tão próximo que se estenderes a mão quase que lhe podes tocar. E o que o teu coração te diz? O que vê ele como bem ou mal, certo ou errado? Eu vejo muita angústia, dor e malícia no teu futuro, mas também uma força capaz de lutar contra essa maré de escuridão. Serás envolto em trevas e das trevas erguer-te-á, luz ou não.

Midsat não disse uma única palavra e manteve-se estático na cadeira, apenas deixando o seu corpo pender contra as costas da cadeira.
Um breve silêncio instalou-se enquanto a anciã acabava de beber da sua malga até ao último trago.

- Agora vão. Os meus velhos ossos já não podem com estas andanças. A minha filha dar-vos-á a erva.

Sem qualquer um, dentro da pequena casa, proferir uma única palavra a mulher levantou-se com um grande pesar e deslocou-se para a frente da lareira. Em torno, a sua filha levantou-se e com as suas magras mãos retirou de um frasco um punhado de ervas e enrolou-as num saco. Em seguida, a rapariga acompanhou os três à saída e despediu-se deles com um gesto. Os três permaneceram calados, cada um envolto nos seus pensamentos e com temor de questionar os outros sobre os deles.

Passou apenas um dia desde o encontro de Midsat com a bruxa, mas para a sua mente, que não tinha largado as palavras da velha, parecia uma eternidade. E agora que se aproximava dos portões da propriedade dos Revelette as palavras pulsavam mais fortes na sua mente.